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É possível ser feliz


style="width: 100%;" data-filename="retriever">Eu, cá, com meus medos, meus receios, inseguranças até, sou um homem seguro do pouco que sei (e do que não quero). E você? Você que nada teme, você que é tão senhor de si mesmo, você que dita normas, estabelece padrões, impõe condições? Você que diz que sabe o que quer, que não rateia, que não vacila, que não hesita um segundo sequer? Você que sequer esperneia? Você que me olha como se fosse um deus - no Olimpo, Zeus? - e diz: faça, não faça, pare, segure, disfarce, você é feliz? Ih, complicado, não? Eu sei que a felicidade é algo muito especial, que não se a pode medir por parâmetros alheios, por balizamentos estranhos a quem a sente (ou não).

Nós sabemos que lá fora - na rua, na vila, na obra, no campo, na fábrica - há uma guerra. Pelo voto, pelo trabalho, pelo pão, pelo teto; pela paz, pelo verbo. E a felicidade pode estar no voto, no trabalho, no pão, no teto, na paz, no verbo adequadamente conjugado.

O verbo amar, v. g., ocorre-me, precisa ser sempre conjugado no presente do indicativo: eu amo, tu amas... e eles, eles amam? Quem sabe? É possível amar, quando o desamor é o que se conhece? Quando não se pode conjugar o verbo nem mesmo no pretérito e não há perspectiva de que se o conjugue no futuro?

Só pode amar quem conhece o amor. Pelo pai, pelo filho, pelo irmão. E, claro, pela companheira, comparsa, cúmplice, parceira. O amor compartilhado, amargurado algumas vezes, melindrado outras, transfigurado e transfigurador. O amor-verdade, não o amor partido e repartido por quem parte, reparte e fica com a melhor parte. O amor doado, o amor dado. Não o amor sufocado, amordaçado. O amor, simplesmente. Verbalizado. Ação, Reação. Afago, lenitivo, desprendimento, aconchego.

É, lá fora há uma guerra pela felicidade, pela paz, pelo teto, pelo pão, pelo trabalho, pelo voto. Bom seria que dela aprendêssemos as lições da solidariedade, da concórdia, do respeito pelo irmão, do amor-doação, enfim. Quem sobreviver saberá se conseguimos, e se isso acontecer, será muito mais fácil, para todos nós, sermos felizes.

Este texto, de mais de 30 anos, foi publicado no jornal A Razão e integrou o livro Recortes do Cotidiano, publicado, com o selo do jornal e organização do professor Orlando Fonseca, em 1989.

Nesta terça-feira gorda (Mardi Grass dos franceses), o estou publicando no espaço nobre que o Diário me oferece, primeiro, porque não acho que o texto tenha perdido atualidade; em segundo lugar, porque, cumprindo o restinho das minhas férias, não preparei, com tempo hábil, nada para enviar ao jornal e, derradeiramente, porque, gostaria de escrevê-lo hoje, agregando ao parágrafo final a guerra pela vacina e o desrespeito de parte de nossa gente pelo balizamento ético, que deveria estar introjetado em nossa consciência, quanto à observação das prioridades em relação aos grupos a serem vacinados.

Talvez, considerando nossa pródiga história em "puxar a brasa para o meu assado", até alterasse o título para algo tipo "puxar a vacina para o meu braço".

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